Me sinto um pouco melancólico. Minha inquietude tem razão de ser. Estou velho. Sei que me vou assim como vim. Sem ilusões. Em breve seguirei a morte, submisso. É a lógica. Da morada velha onde nasci, observo as pequenas luzes das lâmpadas, como a demarcar as antigas habitações onde moraram amigos dos meus antepassados, parentes. Esses pequenos pontos de luz estão ali como a lembrar dos mortos. Lá morava tio Dejalmir, mais adiante, naquela luz amarelada morava o Fausto Letão, logo adiante a família dos Ferreiras. Me fixo a olhar com tristeza e a pensar quanta gente já morreu. Muito tempo transcorreu desde que meus antepassados habitavam essa região. Quantas histórias perdidas no tempo. O mundo é vasto e nós demasiadamente pequenos. Assim como surgimos, desaparecemos. Então, homens de pouca fé, não permitam que o egoísmo e a maldade tripudiem. Respeitem o próximo, sejam solidários.
Ao entardecer da vida recebo no fundo do meu coração uma lição de humildade. Sempre gostei de crianças. Há um ano, conheci, por coincidência uma menina, hoje com quatro anos. A Julia. Criança com extremo bom humor, cordialidade, afetiva ao extremo. Aos poucos foi ficando cada vez mais minha amiga. A família é vizinha da Mixaria, meu campinho, no interior de São Francisco de Assis. Sempre que posso invento desculpas para me aproximar dessa minha amiguinha maior. E assim nossa afeição só aumenta. Me pergunto qual o sentido dessa amizade. Porque me apego tanto? Porque somos amigos e amigos gostam de conversar, brincar, rir. Isso não tem preço. Estou contando a vocês porque a história faz parte do meu cotidiano, da minha convivência.
Talvez o fato de eu ser velho fortaleça nossa relação. Os jovens não gostam de crianças, não estão interessados nelas. Têm a falsa noção de que criança é assunto exclusivo de mães. As crianças são fantásticas. A Júlia, por exemplo, é um ser especial. Muito vaidosa, bonitinha, dentinhos brancos, alinhados, cabelos sempre bem cuidados, sempre fazendo piruetas, passos travessos. Faz qualquer coisa pra se mostrar para o titio Clóvis. Então, não vou ficar deslumbrado? Na última semana em que estive lá, falei: Puxa vida, não tinha nenhum chocolate para te trazer. Ela respondeu que ainda tinha da outra vez. A Júlia é comedida, responsável, obediente aos pais. É meu anjo tagarela. Está naquela fase em que descobriu que viver é de graça, daí a extrema felicidade. Literalmente “cola” em mim. Sempre que anuncio eu vu embora ele implora: brinca mais um pouquinho comigo?
Peço aos pais que me permitam ser um pouco anjo da guarda da minha amiguinha. Que eu possa, dar conselhos, incentivar seus sonhos. A vida precisa de sonhos. As crianças precisam entender que nunca devem desistir de seus sonhos. Em nossas conversas sugeri que, no futuro, ela poderia ser uma médica. Dias depois, no bulicho do avô, Pelé, o padrinho dela falou que a menina poderia ser uma Veterinária e ela, expontaneamente respondeu que seria médica. Aí esta o titio Clóvis sugestionando.
Talvez os velhos gostem de crianças por medo de isolamento, por egoísmo, por carência afetiva mas nossa amizade surgiu expontânea e vai durar enquanto eu durar. Que Deus assim o permita!
Clóvis Medeiros