Os pais da Júlia, minha amiguinha de cinco anos, mandaram fotos do quarto dela que estão montando. Com cores combinadas em rosa, colchas, fronhas, paredes, tapetes, tudo cor de rosa, como a Júlia gosta. A alegria dela é acima do normal. Abraça a mãe e o pai agradecendo deslumbrada. Ela entende o gesto com uma concessão de privacidade, um pouco de independência, autonomia. A criança vai se encerrar no quarto para fazer suas leituras, utilizar seu smartphone, ter suas conversas privadas com as amigas. Quando a mãe for verificar se não está faltando cobertas, se está tudo bem, a criança dirá: mãe, fecha a porta. A ânsia pela privacidade. É bom ir se acostumando. Tão certo quanto a noite depois do dia, a independência dos filhos em relação aos pais virá. Irão embora de casa em busca dos seus sonhos, uma formação superior, o casamento, a construção de um lar, como seus pais o fizeram. Mesmo assim não nos preparamos.
O processo acontece lentamente, de forma quase imperceptível. Passo a passo. A saída com os amigos, a noite que passa na casa da amiga ou amigo, as baladas aos fins de semana, as férias em que ficaram dez dias fora com a turma de amigos. É o aquecimento para darem o grito de independência, de liberdade, de autonomia. Em outra fase virá a saída de casa para morar longe para estudar. Essa é crítica. Ao retornarem, se isso acontecer, ficarão em casa dos pais por pouco tempo. Já terão projetado seu futuro. Perderam o medo de ficarem longe da saia da mãe, do abraço do pai. Não sentem mais medo de viver sozinhos.
Essa é minha forma de ver o problema. Desculpem se divergem da idéia. Sou um modesto colunista. Não esperem convicções absolutas de um colunista. Dou minhas opiniões. Só isso. Tenho dois filhos. Um foi estudar medicina, no exterior. Emagreci de saudades, sofri com a ausência, como se tivesse perdido um ente querido. Quando nos comunicávamos por telefone eu sentia uma vontade enorme de chorar. A ausência era dor pura. E o filho também sentia. A vontade era dizer: abandona isso aí e volta para casa. Mas o senso de responsabilidade era maior. E meu consolo era pensar que o papel dos pais é dar amor, educação, princípios éticos, noções de disciplina. E não poupamos esforços para alcançar esses quesitos aos dois filhos. Então o afastamento é apenas conseqüência do tempo.
Quando nos damos por conta, os dois estavam longe da nossa casa. Restou o consolo de que somos seus pais mas não somos seus donos. Eles também, assim como nós o fizemos, saíram para construir seus próprios ninhos. Mas é inegável que a ausência traz dor. Olhar a velha bicicleta na garagem, com um pneu furado, plena de pó, algumas teias de aranha, o capacete pendurado num prego, a bola furada. Lembro do dia, triste dia, em que a Nidiara foi estudar fora da nossa cidade. No portão ela voltou-se para a mãe e disse:___ Guarda todos os meus brinquedos, mãe. E fecha a porta do meu quarto. Nunca mais voltou a morar conosco!
Assim acontecerá com o Robson e com a Naiara em algum dia, quando a Júlia estiver morando longe, bem longe, cursando, quem sabe, a faculdade com que hoje ela sonha: Medicina. Então, no silêncio da noite, ouvirão uma ave noturna cantar, irão até a janela do quarto da filha e verão uma grande Lua iluminando o quarto, verão estrelas já quase sumindo, algum passarinho cantando porque já é amanhecer. Um amanhecer com enorme saudades da filhinha que não lhes sai do pensamento. Conformem-se. Esse é o ciclo da vida!