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Clóvis Medeiros fala sobre o pai no “Texto de uma nota só”

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TEXTO DE UMA NOTA SÓ

Por Clóvis Medeiros

Às vezes, se aproxima o dia de enviar a coluna para os jornais e não sei sobre o que escrever. É a tal Síndrome da Falta de Assunto. Não chego a ficar traumatizado porque sei que escritores de verdade, como Paulo Sant’ana, David Coimbra, Carpinejar, Cláudia Laitano e outros, também revelaram as mesmas angústias. Qual o assunto de maior relevância neste momento? Qual desperta maior interesse no leitor? Hoje eu poderia falar sobre o rompimento do cabo de sustentação da ponte suspensa sobre o Rio Mampituba, entre Torres e Passo de Torres, que tinha capacidade para vinte pessoas e estava com mais de cem. Poderia vos falar sobre o terremoto da Turquia, tragédia mundial, com mais de trinta mil pessoas mortas ou desaparecidas. Fato expressivo foi a chuva no litoral norte de São Paulo que causou deslizamentos e mais de quarenta mortos. Então, na verdade não há falta de assunto. Poderia escrever sobre os OVNIS abatidos pela Força Aérea do Estados Unidos durante a semana, sobre o Carnaval, poesia, corrupção, das estrepolias verbais e jurídicas dos Ministros do STF. Poderia vos falar do domingo agradável e fraterno que o Ministro Lewandowiski passou com o MST, que em sua homilia, homenageou o movimento como um modelo de democracia e que só fazia bem ao Brasil. Poderia abordar o futuro da economia do Brasil, cujo presidente tem um único plano: o de nunca ter plano nenhum e  emitir sinal de que nunca terá. Nosso futuro é uma miragem!

No entanto, para não ser considerado um medíocre escritor provinciano de uma nota só, criticando constantemente os mal feitos políticos, hoje vos falo de uma pessoa que marcou minha vida por laços afetivos e morais. Vos falo de meu pai. Em meio aquelas pessoas comuns, foi tão comum como qualquer outro vizinho, parente. Não foi capaz de assinar o próprio nome. No entanto, sua inteligência não podia ser subestimada. Foi dotado de um senso de observação impressionante. Mesmo que sua vida foi apagada, como as demais daquela época e localidade, do interior de São Francisco de Assis, à sua maneira foi uma liderança expressiva. Nas raras reuniões na comunidade falava com autoridade, tinha idéias próprias e as assumia sem ser Maria vai com as outras. Não acreditava em nenhum político individualmente mas amava o Brasil. Tinha esperanças de que algum dia o país iria melhorar. Lembro de certo dia, alguém perguntou o que ele achava do governo do Getúlio Vargas e ele respondeu: —O Brasil passaria muito bem sem ele. Os políticos devastaram e saquearam o Brasil durante séculos. Quanto ao Getúlio me falaram que é daqui de São Borja. Não o conheço e não me faz falta.

Mesmo sendo um dos pioneiros da construção de uma capela de madeira na comunidade, era um deísta: acreditava em Deus, sem igrejas. Desprezava os padres que diziam conhecer os caminhos que levavam até Deus. Estava liberto dos dogmas dos sacerdotes.  Deus estaria em tudo, segundo ele. Nas coisas, nas árvores, nos pássaros, nos animais, nas pessoas de bem. Foi um amante da natureza, gostava de caminhar pelos campos, pelo mato, meditativo, costumava tomar banho na sanga, no rio. Fez dessa paixão sua verdadeira religião. Certo dia o padre foi lá em casa tentar convencer meu pai a freqüentar a igreja, salientou que a Igreja Católica era a única verdadeira, etc. Lembro de ouvir do meu pai que ninguém poderia determinar em que ele acreditasse, isso era liberdade religiosa. Com suas palavras simples disse que era um assunto de foro íntimo, que o deixasse em paz. Falou com extrema gentileza. E disse ao padre que não precisava freqüentar a igreja para ser bondoso, útil à sociedade. Não sou daqueles que estragam o mundo. Sei que se não formos bons, não conseguiremos nada na vida. Quando o padre se levantou para ir embora meu pai disse:___Desculpa padre mas acho que o mundo tem muito sofrimento para ter sido feito pelo teu Deus. Fala com Ele para dar uma melhorada! Nunca mais o vigário foi lá em casa!

 

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