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Clóvis Medeiros: Morrer não é nada. Horrível é não viver!

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Assim como a noite vem depois que o dia se vai, depois de uma vida de trabalho, nos aposentamos, mudamos de ritmo, descansamos. Pelo menos essa é a lógica conhecida. Planejar a ocupação desse tempo restante e muito importante. Não é pelo fato de que ficamos carecas, caminhamos mais lentamente, a audição não seja tão acurada, que nos tornamos imprestáveis, inúteis, improdutivos. O tema me surgiu porque fui provocado por uma notícia de jornal em que um senhor idoso foi assaltado em Porto Alegre, na Rua da Praia, correu atrás do vagabundo, alcançou-o, dominou-o e deu-lhe um “laço” fenomenal até que os transeuntes atacassem. Ou seja, de velhinho indefeso, nada tinha. Certos adjetivos não se enquadram como regra geral aos mais idosos. Muitos têm vida ativa tanto ou mais que muitos com menos idade. Espero que me falte algum tempo para a viagem de ida e para isso me alimento bem, viajo, leio, pratico exercícios. Pretendo ficar um bom tempo por aqui antes de ir morar naquele caixão apertado, naquele silêncio, numa solidão desgraçada, debaixo de uma tampa cheia de excremento de pássaros, liquens, lagartos se aquecendo ao Sol. Não é minha morada preferida! Não tenho pressa de enfrentar o meu Criador.

Já lhes falei que escrevo minhas crônicas através de um exercício de observação do cotidiano e conseqüente análise, reflexão. E se, às vezes, torno a fazer uso dos mesmos temas é porque não acontece nenhuma mudança fundamental na ordem do mundo.  Mas lido com uma ferramenta forte, a palavra impressa. A crônica faz o leitor pensar junto, divagar, sonhar, imaginar cenários e figuras humanas. Ninguém escreve um texto isolado do mundo. Estou fazendo rodeios para introduzir o tema. Ao texto. Recebi, mensagens de meu primo e amigo Cláudio, contando que iria para a África, atuar na sua área de formação, Agronomia, orientando produtores rurais. Meu primo, onde estudou costumava ser o primeiro da turma, cultor do vernáculo, fala e escreve com sutilezas gramaticais, estilo apurado. Costumo enviar alguns textos em construção para que ele avalie. Certo dia mandei um, que eu mesmo achei horrível, muito ruim. Ele, com sutileza, disse que poderia melhorar mas que estava, como sempre, bom.  Pessoa de fino trato. Gentleman.

Ao receber a notícia de que iria para a África lembrei-lhe que havia se aposentado há pouco tempo. Vai trabalhar para quê? Bastaria pra ti um pedaço de mar transparente, uma faixa de areia, uma casinha branca na beira da praia, um barquinho, esperar a visita de familiares de vez em quando, um bom vinho, bons livros. Cláudio respondeu que em termos de trabalho sempre foi um homem teimoso. Gosta de trabalhar, não concebe a vida no ostracismo. Trabalhar é viver. Além disso, disse-me, —Tenho que trocar minha experiência acumulada, força produtiva, inteligência, energia, saúde, disposição para o trabalho. Trocar tudo isso por dinheiro. Sou a força produtiva da família e ainda tenho a Luisa cursando faculdade. Sem falar na internet, luz, água, combustível, vinho, picanha. O custo de vida está caro. Me falou que andou lendo que existem no mundo 2.640 bilionários. Consultou a lista e o nome dele não constava, então vai seguir trabalhando.

Meu primo é daquelas pessoas compulsivas pelo trabalho, um workaholic. É feliz trabalhando. Gosta que reconheçam sua competência através da qualidade do seu profissionalismo. Admiro sua dose de teimosia, persistência, disposição para o trabalho. Tu és o oposto de tantos milhares que andam por aí, simulando doenças, fraudando a Previdência, improvisando desculpas para fugir do trabalho. Parabéns! Para encerrar, lembrei de uma pérola ouvida de outro primo que detesta o serviço. “Está na hora de fazerem uma Reforma, decretando, pelo menos um mês do ano sem segundas feiras!

Clóvis Medeiros

 

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