O inverno da saudades
Ontem à noite participei da Assembleia de uma Cooperativa de Crédito e, antes de iniciarem, efetivamente, os trabalhos, eu observava o público, que também aguardava. Todos, literalmente, “entrochados”. Estava muito frio. Não sei quantos quilos de tecidos pesados havia ali, por metro quadrado no salão. As pessoas estavam, encolhidas, retraídas, sem energia. Como chovia, as pessoas chegavam com a roupa molhada, sinais de chuva nos ombros e na cabeça e a evidente manifestação de desconforto. Foi o que me serviu de mote para escrever esta coluna, ao retornar da reunião.
Gostos não se discutem. Mas fico imaginando alguém que, como meu pai, tinha que tomar banho frio, no açude ou na sanga, porque não havia luz elétrica em nossa velha casa. E se alguém, hoje, me diz que adora o frio, recomendo que tome banho no modo “verão”, no seu chuveiro. Poupe energia e seja feliz. A casa onde nasci era uma velha casa, de madeira, com frestas que deixavam passar o vento cortante. Minha mãe calafetava com roupas velhas para evitar o frio enregelante mas era uma medida paliativa. Era sempre difícil enfrentar os longos meses de inverno, até porque a família não podia ficar sempre dentro de casa. As tarefas nos esperavam lá fora. Lembro de madrugadas geladas que tínhamos que recolher algum animal para alimentar ou preparar para o serviço, ordenhar. Éramos pobres e os agasalhos foram sempre precários. Pés descalços, nada na cabeça, roupas incapazes de proteger do frio.
Não gosto de frio, mas esse mesmo frio não destruiu minhas memórias. Me lembro do pai e da mãe com nitidez quase presencial. Dona Márcia reunindo a gurizada ao redor do fogão, seu Riva sempre com uma latinha cheia de brasas para aquentar os pés. Eventualmente a mãe pedia:—Saiam da frente desse fogão para mim poder encaminhar a comida. Aliás, quase sempre escassa. Ou então pedia:___Vai buscar mais lenha, guri, não deixem esse fogo apagar. Fogo era vida para nós! Em cima do fogão sempre havia uma chaleira com folhas de laranjeira, funcho, que servia de chá para as bronquites, gripes, e outras doenças respiratórias, típicas da estação.
Nosso pai nos levava cedo para o trabalho. ___Os dias estão mais curtos, teremos que aproveitar. Lembro da imagem triste, resultado do congelamento do vapor d’água, da geadas, das temperaturas abaixo de zero grau. As pastagens nativas morriam, o gado, os cavalos, ficavam com pouca comida. As árvores perdiam as folhas, até o Sol era mais tímido. Desculpem, cada realidade é diferente. O frio deve ser bom ou imperceptível quando em frente a uma lareira, com um bom livro para ler, assistindo a um bom filme, elegantemente vestido, cobertas suficientes. Na verdade não culpo o inverno; culpo a pobreza e suas deficiências. Mas que não gosto de frio, não gosto.
E ganha um fim de semana em Caracas, com direito a um almoço com Maduro, quem disser que adora passar frio!
Clóvis Medeiros