Quando o amigo e o inimigo da natureza se confundem…
Desde que nasci não tem sido fácil conviver com meus irmãos humanóides. A situação não está nada fácil. Mas sobrevivo, assim como as baratas sobrevivem há séculos. Sou complicado mas meus semelhantes também o são. Como sou teimoso, tudo fica bem pior. Reconheço que sou radical, polemizador. Portanto, não me considero “concordino”, ovelhinha de presépio. Se não aceito a “verdade” alheia, o digo, na maioria das vezes, com veemência. Sou enfático. Detesto submissão, bajulação, conformismo. Creio que uma das qualidades do ser humano deva ser a autenticidade, a defesa dos seus valores, das suas convicçôes.
Faço esta introdução para abordar um tema de profunda importância. Poucos dias se passaram quando recebi a visita de meus filhos com respectivas famílias. Moram em uma cidade grande, valorizam as coisas da natureza, a beleza dos rios, as árvores, os animais. Após alguns dias de permanência na Argentina, retornamos. Ao atravessarmos a fronteira pelo Rio Uruguai, vislumbramos o magnífico quadro composto pelo rio, as ilhas, a floresta, em Porto Mauá. Aquela paisagem nos lembra de que somos um país riquíssimo em biodiversidade, o segundo maior depósito de água doce do mundo. Temos a maior floresta tropical do planeta, temos capacidade para produzir energia renovável, riquezas imensas no subsolo. Inclusive, potássio para nossa agricultura, fósforo, níquel, ferro…Somos ricos, por dádiva da natureza. Porto Mauá nos oferece um espetáculo da beleza natural, além de ser uma cidade muito bem cuidada, limpa, com infraestrutura para receber os turistas.
Combinamos retornar no dia seguinte para usufruir das belezas naturais, além de comer o melhor pastel da região, feitos por uma senhora argentina que migrou para o Brasil. E assim o fizemos. Estacionamos os veículos á sombra e, como o nível da água do rio Santa Rosa, que corre por um trecho, paralelo ao Uruguai, estava baixo, o atravessamos caminhando. Sem problemas, sem riscos. Colocamos nossas cadeiras num ilha próxima e ali ficamos tomando banho numa água morna, agradável, limpa. Enquanto o chimarrão circulava, observávamos o espetáculo. Muitos pássaros, a ilha quase deserta, avistamos um mamífero, talvez uma capivara, dar um mergulho bem próximo de onde estávamos. Aproveitei para fazer minhas reflexões. Sou um ambientalista por natureza, desculpem o trocadilho. Comemoro o Dia da Árvore todos os dias, o Dia da Água, todos os dias. É uma forma de respeito permanente, de admiração. Como se a natureza precisasse de uma dia especial para reverenciá-la!
Eis que, ao final do passeio fomos providenciar o óbvio. Juntamos todos os papéis, algumas garrafas de água, latas, sacolas de plásticos, para colocarmos no seu destino correto: os vasilhames de lixo colocados á disposição pela Prefeitura de Porto Mauá. Ocorre que, horas antes, uma família chegou de barco na mesma ilha onde estávamos. Uma senhora, que não disse adeus a nenhum de nós, sentou á sombra e dedicou-se a fazer tricô ou crochê, enquanto filhos e marido pescavam. Esta senhora comeu e bebeu todo o tempo. Mais tarde trocou de acampamento, em busca de melhor sombra, deixando no primeiro local, todo o seu lixo, os seus dejetos, os rastros da sua falta de educação. Minha nora a abordou. “Minha senhora, vai deixar onde está, tudo aquilo, á beira do rio? Resposta: “Cuida da tua vida. Não estou nem aí. Nem para ti, nem para o Rio…”. Recolhemos os dejetos dessa senhora, que talvez tenha alguma frustração reprimida. O pior é que estamos nas mãos desse tipo de gente de má índole, má fé, estúpida, mal educada, em estado de absoluta carência intelectual. É esse mesmo tipo de gente que vem derrubando florestas, poluindo os oceanos, jogando sacolas de plásticos por onde andam. Aliás, não andam, rastejam. Vermes costumam rastejar.
Um réquiem a essa senhora cínica. Desculpe, minha desagradável inimiga, mas a natureza não vai derramar uma lágrima furtiva no dia em que a senhora deixar de fazer seu tricô á beira do Rio Uruguai.
Em contrapartida a natureza agradece a pessoas com o Prefeito de Porto Mauá, a minha nora, pessoas de bom senso, mentes preservacionistas. Infelizmente temos que conviver com pessoas que pensam de maneira diferente.
Foto página Mauá Beach
Clóvis Medeiros