Últimas Notícias

25.27°C Tuparendi

Clóvis Medeiros: Vidas Secas

COMPARTILHE

clovis

Estamos, na Região Noroeste, enfrentando escassez de chuvas. Não é uma prerrogativa nossa. Falta chuva em todo o Estado. Produtores de soja estão preocupados, criadores de gado também. As previsões não são otimistas. Será mais um ano de estiagem? No meu município de origem, os agricultores estão apavorados. O alto custo dos insumos agrava a crise. Com o real cada dia mais desvalorizado os produtos como herbicidas, inseticidas, fungicidas, além do diesel, roubam o lucro do produtor. Como se costuma dizer que não há nada que não possa piorar, agora temos o prenúncio de um verão com pouca chuva. Com as altas temperaturas a perda de umidade no solo é superior a sua reposição. A previsão de uma boa safra americana significa mais oferta no mercado e preço em queda. Estudos da APROSOJA, órgão que inclui os produtores de soja de todos os Estados brasileiros, a saca de soja deve valer nesta safra em torno de R$ 117,00.

E não se pode responsabilizar ninguém por essa desgraça. Os fenômenos El Nino e La Nina impactam os regimes de chuva e temperatura em muitas partes do Planeta. Por aqui temos até agora uma boa previsão de colheita mas essa pode não se concretizar, caso não chova. Essa situação me faz lembrar dos tempos de criança quando secas enormes assolavam nossos campos. Os açudes secavam, as sangas também, os peixes morriam, se viam animais como lontras, capivaras, preás, cobras e outros andando pelo campo, procurando água. O gado era levado para algum lugar onde algum rio ainda tinha reserva d’água. À beira dos últimos resquícios de água, uma profusão espantosa de pássaros. E meu pai, que se dava bem com os animais dizia:___Tomara que algum pescador não largue um toco de cigarro aceso no campo. O incêndio seria fatal. E, às vezes isso ocorria. Minha mãe, muito religiosa e otimista, dizia:___Um dia chove. Mas nascia o dia, terminava o dia e nada de nuvens. No máximo, um poente avermelhado.

A estiagem de agora me levou a escrever este texto. Lembrei que há muitos anos li a obra prima de Graciliano Ramos, Vidas Secas, que trata da desgraça de uma família de retirantes nordestinos. Conheço alguns Estados, como Alagoas, Maranhão, Ceará, Pernambuco, Paraíba. Sempre que estou por lá procuro conhecer o interior. A realidade da vida daquelas pessoas. Por lá a seca é uma constante. A alta temperatura esgota a fertilidade dos solos, a falta d’água deixa tudo esturricado, os rios diminuem de volume ou secam, a vida morre e começa o processo de desertificação. Lá só tem verão. Maior que a seca, só a esperança dos nordestinos por chuva, por algum auxílio do governo. A seca é um problema sócio político. A indústria da seca e da captação de votos. Na verdade lá, a realidade dominante é o desastre social.

Há séculos a ausência de políticas públicas sérias e responsáveis estão longe de serem realidade. A seca é um desastre de ordem natural mas a roubalheira é um desastre de ordem moral e ética. Continuam as promessas de políticos em amenizar os problemas das secas no Nordeste. Dom Pedro II, construiu os primeiros açudes em 1877. Foram as poucas obras consistentes, que duram até hoje. Recentemente temos as famigeradas e faraônicas obras de desvio das águas do Rio São Francisco, através de construção de canais intermináveis e bombeamento caro e que suscitou muitos casos de corrupção e desvios de dinheiro público. O governo até criou um órgão chamado SUDENE, Superintendência para o Desenvolvimento do

Nordeste, com o objetivo de construir obras para contenção das secas. A ladroeira foi tão intensa que em 2001 Fernando Henrique Cardoso resolveu extinguir a estatal. Seu objetivo nunca foi cumprido, embora empregasse milhares de funcionários públicos e consumisse milhões do dinheiro público. Mais uma vez aquele povo serviu para exploração humana e descaso social. Então, lá, o que vi foi êxodo, saques, roubo de comida, dependência de programas sociais, desemprego, miséria. As pessoas sempre esperando mais carros pipa, bolsa família, chuva. Que não vem. Enquanto isso fazem filhos, são prolíferos, incultos, como formigas com tesão.

Se aqui está ruim, lá está pior.

Clóvis Medeiros

 

COMPARTILHE

Últimas Notícias

Veja Também

Leave A Comment

Você deve estar logado para postar um comentário

Cesta de compras