Minha mãe foi uma das pessoas mais sensíveis que conheci. Humilde, aculturada mas profundamente sentimental, benigna, indulgente. Adorava flores, buscava mudas, sementes, galhos com os quais novas plantas se criavam em nossa velha morada. Espalhava flores pelos pés de butiás, beiras de cercas, vasos improvisados de latas de azeite, defensivos. Lembro que meu pai não pensava da mesma maneira. Era mais imediatista. Flores não produzem frutas, dizia ele. Lembro nitidamente de que ele gostava de ficar debruçado numa cerca de listões, em frente à casa, olhando a estrada, identificando quem por ali passava, os raros carros que cruzavam pela estrada vicinal que ligava Jaguari/São Francisco de Assis. Como minha mãe plantava roseiras ao pé da cerca, meu pai, eventualmente enroscava a bombacha em algum espinho de rosas. Ficava muito irritado. Hoje eu lhe diria: Pai, flores e espinhos caminham juntos. Um não vive sem o outro. Mas cada uma tem sua razão de existir. Vejamos. A Unha de Gato,cujos espinhos são uma verdadeira fisga, fornecem às abelhas o néctar, matéria prima do melhor mel campeiro. O Ora-Pro-nobis, a um pequeno descuido teremos um espinho cravado profundamente na pele. Porém suas folhas são medicinais, ricas em proteínas. Com nossas convivências acontece a mesma coisa. Somos obrigados pelas circunstâncias a conviver com pessoas desagradáveis, falsas, desleais. Mas a vida nos proporciona amigos incomparáveis.
Como as flores bonitas, temos também verdadeiros amigos. Estes são nossa proteção, escudo, nos entendemos tão bem. Criamos vínculos duradouros, relação de respeito, tudo construído pela sinceridade. Sofremos quando uma infelicidade os atinge. Foi o que aconteceu nesta semana com meu irmão Vilson Botega e a Beth. Devido à tragédia que aconteceu com sua família, choramos todos os dias, sem entender. Isto é ser amigo. Amizades verdadeiras atravessam os tempos.
Comparo flores com amizades porque as vejo como irmãs. Flor lembra amor, respeito, afeto, querer bem. Plantamos flores na Fazenda Mixaria para homenagear minha mãe, para decorar a propriedade, para criar um ambiente agradável para as visitas. Alguém já disse que isso dá muito trabalho, que as flores murcham, morrem. Nós também. E daí? Há poucos dias minha filha postou uma foto, comendo alguma coisa em um restaurante. Na foto havia uma flor pendurada em uma parede, ao fundo. A impressão primeira foi que a flor estava no cabelo de minha filha. Ilusão de ótica. Mas minha mente insistia em ver assim. Minha filha, como minha esposa, são minhas flores.
Quem me conhece sabe do quanto gosto de crianças. Em parte é puro egoísmo. As gosto pelo agrado que me dão. Assim conheci e passei a gostar profundamente de uma guriazinha que mora perto da minha propriedade, a Mixaria. Fez quatro anos. Quem vê beleza num passarinho, na curva de um rio, numa flor de ipê, de uma calhandra, no perfume de uma primavera, não pode deixar de adorar uma criança como a Júlia. Crianças como ela transmitem paz, delicadeza, humildade, nos trazem equilíbrio. Como uma flor inspiram poetas, encantam almas sensíveis.
Gosto das minhas amizades como gosto de crianças e de flores. As últimas continuarão a trazer suas cores para a Mixaria. Elas não precisam de mim, quando eu vos deixar. Minha mãe conversava com elas, colhia as mais bonitas e as levava à capela em frente da casa para depositar aos pés de Nossa Senhora de Fátima. Hoje as flores enfeitam minha vida, um dia vão enfeitar minha morte. Lembranças de fores e de amizades verdadeiras atravessam os tempos.
Clóvis Medeiros