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Duas fotos e quase 60 anos de recordações!

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Por Vitor Geraldi Haase / Julho de 2024 – Vitor tem 67 anos,  é filho do saudoso Dr. Ruben Haase e viveu sua infância e parte da juventude em Tuparendi. É médico, com especialidade em neufologia e neuropediatria. Fez doutorado em psicologia médica em Munique / Alemenha. Foi professor por 30 anos na UFMG. Atualmente é radicado em Belo Horizonte/MG onde mantém consultório.

A primeira foto acima a esquerda,  foi feita em abril de 2024, quando a Raquel e eu estivemos em Tuparendi, visitando a Dona Nívia de Martini, o Renato de Martini e a Luciane Brun. A foto ao centro foi tirada pelo Ruben Haase em agosto de 1965, no famoso dia em que nevou em Tuparendi. Essas não são daquelas fotos que o povo faz de tempos em tempos com os mesmos personagens, nos mesmos cenários, nas mesmas poses. As poses são diferentes, o clima é diferente, os personagens são diferentes. Alguns ainda não estavam lá em 1965, outros já se foram. Ficaram as melhores recordações. Recordações essas que Raquel e eu reavivamos com Nìvia, Renato e Luciane na nossa recente visita a Tuparendi.

O que tem de tão especial em Tuparendi? Em Tuparendi, “O Sol nasce para todos”, como apregoava o relevo na Casa Mundstock (foto a direita). Não sei porquê, mas eu conto tantas histórias que meus filhos se convenceram de que eu sou mentiroso. Eu falava tanto, mas tanto de Tuparendi, que meus filhos se convenceram de que Tuparendi não existia, que era tudo fantasia minha. Em parte é fantasia mesmo. São reminiscências de quem se aproxima dos setenta anos. Dei no bico dos meus filhos. Em 2019, passamos o Natal em Tuparendi e eles puderam averiguar o quanto era fantasia minha e o quanto era realidade. Tiveram que dar o braço a torcer. Constataram as maravilhas de Tuparendi e dobraram a língua comprida. Mas o que tem de tão excepcional em Tuparendi, fora o fato de que o Sol nasce para todos? Nada. Não tem nada excepcional em Tuparendi. Tuparendi é um lugar absolutamente comum. É isso que torna Tuparendi tão excepcional.

Não tem nenhuma grande indústria, nenhuma grande empresa em Tuparendi. Tinha a fábrica de máquinas agrícolas dos Fankhauser. Tem uma fábrica de acordeons. Tem um monte de lavouras caprichadas. Bota lavouras e mais lavouras nisso. Até na beira da estrada tem soja ou trigo plantado. Tem também uma vida organizada. Uma cidade limpa e bem arrumada. Casas bonitas com jardins nos quais as pessoas sentam para tomar chimarrão no final da tarde. Tem pessoas que se valorizam e valorizam a vida que levam. Não tem miséria em Tuparendi. Tem um padrão de vida em Tuparendi. Tem uma decência. Tem um ar acolhedor. Em Tuparendi, tem a felicidade das coisas pequenas, a felicidade do dia a dia. Tem também toda uma história que está se perdendo porque as pessoas não perderam nada, não precisam se preocupar em fazer comparações temporais. Perdeu quem saiu de Tuparendi. Para os que saíram, restam as lembranças. As minhas recordações são ótimas. Sinto-me privilegiado por ter nascido e vivido em Tuparendi até a adolescência. Tive a oportunidade de estudar no Grupo Escolar da Sede de Tuparendi, administrado pela Profa. Silvia Bauken. Tive oportunidade de ser aluno das professoras Maria Mallmann, Odila Lunardi, Lenir Sichinel, Ironi Saueressig e Nair Lückemayer. Foi lá no Grupo Escolar que eu desemburrei. Cortava os cabelos com o Fernandes ou com o Beskoff. Levava meus sapatos para consertar e comprava botas no Schultz ou no Cardoso. Comprava picolé no Augusto Hettwer. Quando o carro pifava, tinha as oficinas do Geiss, Venites, Mugnaga e dos Crentes. Tinha as marcenarias do Kappler, Janfar e Kegler. Naquele tempo não tinha super-mercado. Além do bar do Augusto Hettwer, tinha as lojas do Rauber, Gambin e Mundstock. Nós tínhamos caderneta no Mundstock, que ficava na frente de casa. Era uma festa quando a mãe nos autorizava a comprar material escolar lá. Era frequentador assíduo do Cinema do Fritz e dos bares Líder e François.

No Cinema, todos sabiam quando a Dona Elvira Drewes e eu andávamos por lá. Pelas nossas gargalhadas. As comadres iam fazer permanente nos cabelos com a Dona Elvira. Um tanto de cerveja elas passavam no cabelo. Outro tanto bebericavam Ia comer sonhos e tomar Coca-Cola no Bar do Roos. Comia o churrasco do Mugnaga. Duas vezes por semana, de tarde, eu ficava esperando que o pão de milho da Paula ficasse pronto lá no forno do Hospital. Era uma delícia. Frequentemente, o Dr. Egon nos levava para assistir faroestes italianos no Cine Odeon em Santa Rosa. No Verão, dava os meus mergulhos na piscina do Clube Caiçara. No Inverno, ia tomar banho na cascatinha do Lajeado Grande, na Manchinha. Chovia pra dedéu no inverno. Nos dias em que a chuva parava e o Sol saia, a estrada de terra gretava e cozinhava uma espécie de cerâmica. A estrada ficava lisinha, lisinha. Era ótimo para andar de bicicleta. De noite no Verão, íamos para a praça e ficávamos jogando conversa fora ou assistindo rinhas de besouros cascudos. De tempos em tempos algum casal fazia uma excursão para o Mato do Buske. As festas mais animadas eram aquelas organizadas pelos Irmāos Fankhauser e pelos batistas da Esquina Candeia. Tinha aqueles churrascos de carne espetada e varas e assada sobre churrasqueiras improvisadas de tijolos empilhados. Tinha o bolão e os bailes dos clubes União e Flor da Serra. No Clube União, os festivais do chopp eram animados pelo conjunto Recordando o Passado, do Roos. O Flor da Serra  era um velho casarão de madeira construído sobre cepos. A pista de dança do Flor da Serra era toda encerada, lisinha. Uma delícia de dançar.

Nas noites de sábado, caminhando para os bailes, a gente avistava de longe o Flor da Serra se chacoalhando todo ao som de algum chote. Deixava a gente animada. Tinha as idas a Porto Mauá e Argentina. Em Alba Posse, comprávamos galletitas Terrabusi e pirulitos Misky. Em Porto Mauá, tinha as festas organizadas pela Dona Lúcia Chitolina. Uma vez a festa foi na ilha de Porto Mauá. A Dona Lúcia era impagável, uma gringa ruiva e extrovertida, uma verdadeira longobarda. Tinha o Willy Steinchen, com sua sabedoria, cantoria, apreciaçāo do chopp, desapego material, bondade e excentricidade. Assistia às missas do Padre Júlio. O Padre Júlio era uma figura, mereceria uma crônica especial. Sábado de tarde, no salão paroquial, a gringaiada jogava truco. A gente ouvia o gritedo de longe. Meu pai chegava em casa às 13 horas para almoçar. A aula terminava às 12. Quando o Rubén entrava em casa, o dever do Grupo já estava pronto. Depois do almoço a gente dava no pé. Passava o dia no mato, tomando banho no lajeado, fazendo cabaninha de Tarzan, fazendo guerrinha de quadrilha ou tomando banho na piscina do Caiçara. Os pais e mães nem sabiam o que os filhos andavam aprontando. Era liberdade total. Os pais só tomavam conhecimento  quando alguma coisa dava errado. As crianças daquela época tinham liberdade para se meter e sair das confusões sozinhas. Na saída para Santa Rosa, tinha uma madeireira com uma pilha enorme de serragem. A gente passava a tarde deslizando na serragem. No inverno, a gente retornava para casa com os blusões de lã cheios de serragem. Coitadas das que tinham que  limpar. Visitando a Dona Nivia esse ano, me caiu a ficha. Essas recordações idílicas da minha infância somente se tornaram possíveis porque Tuparendi soube acolher um grupo de profissionais da saúde, vindos de Porto Alegre, que fizeram história.

Essas recordações idílicas somente se tornaram possíveis porque o Rubén e a Yvonne Haase, o Danilo e a Nívia de Martini, O Régis e a Maria Augusta Araújo, mais o Egon Müller souberam construir um ambiente fraternal para criar seus filhos. O que os profissionais do Hospital Tuparendi fizeram em termos de qualidade de assistência à saúde foi uma coisa extraordinária, pioneira. Sempre que encontro o Renato de Martini, me impressiono com suas virtudes como médico e fico me lembrando do seu pai, o Dr. Martini. O Renato é um médico formado nessa escola, digno dessa tradição. Mas o que os profissionais do Hospital Tuparendi fizeram com suas vidas e com as oportunidades que criaram para suas famílias não deixa de ser extraordinário. Extraordinário pela sua banalidade. Banalidade de um rotina estruturada que permitiu uma vida bem vivida e que permite essas reminiscências que fazem minha felicidade na velhice. Tenho gratas lembranças e sou muito grato ao pessoal de Tuparendi, pela vida que me proporcionaram.

Duas fotos e quase 60 anos de recordações!

 

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