A pesquisa sobre a origem de uma peça com suástica pertencente ao acervo do Museu Alcir Philippsen, situado no município de Santo Cristo, na região noroeste do RS, já chegou a algumas conclusões, apesar de o resultado não ter sido divulgado oficialmente. O professor do Programa de Pós-Graduação em História Edison Hüttner, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), que estuda o objeto há mais de um mês em Porto Alegre, antecipa algumas respostas e desvenda o mistério.
— O tonel não é nazista, mas poderia, sim, ter sido utilizado pelos nazistas. Era da empresa Shell Mex Argentina, que, no começo, usava o símbolo de uma suástica budista. Depois, quando viram que o Partido Nazista de Adolf Hitler começou a fomentar a guerra, tiraram a suástica e colocaram uma concha no lugar — explica o docente, que vai apresentar as conclusões de sua investigação em 4 de outubro, no museu do município do interior gaúcho, quando o latão será exibido ao público.
A pesquisa acerca do tonel, que possui 62 centímetros de altura e 32 centímetros de largura, lembrando um tambor de leite antigo, foi solicitada ao docente pelo diretor do Patrimônio Histórico, Artístico, Cultural e Turístico de Santo Cristo, Bruno Rafael Machado, que pretende identificar e catalogar a peça do acervo. A polêmica em torno do latão ocorre em função de a suástica estampada em sua superfície ter certa semelhança com a usada pelos nazistas na Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
— O que estamos percebendo é que esse tonel poderia, sim, ter servido como um instrumento de abastecimento de navios e submarinos. Mas não temos documentos para provar — afirma o pesquisador, esclarecendo que a suástica do tonel é virada para o lado esquerdo, enquanto que a nazista aponta para o outro lado e ainda possui uma inclinação de 45 graus. Segundo Hüttner, o latão pesquisado foi fabricado entre 1931 e 1933.
— Esses tonéis participaram, naturalmente, do contexto da Segunda Guerra Mundial — observa. — Não foram destruídos ou descartados depois que a Shell passou a usar o símbolo da concha em 1933 — acrescenta.
No tambor pesquisado, existem cinco suásticas representadas dentro de um círculo, em alto-relevo. Quatro se encontram ao redor do tambor, enquanto uma está localizada na parte de baixo da peça. A forma budista, conforme o pesquisador, representa a “misericórdia infinita”.
Apesar de sua pesquisa concluir que o tonel não é de fabricação nazista, a hipótese de que tenha participado de algum fato da Segunda Guerra Mundial ainda é mantida pelo docente, como o episódio envolvendo o afundamento do navio alemão Almirante Graf Spee, que é mencionado no material do estudo. A embarcação nazista foi perseguida por três cruzadores britânicos — Exeter, Ajax e Aquiles. Em 13 de dezembro de 1939, durante a Batalha do Rio da Prata, o navio da Alemanha foi bastante danificado. O capitão Hans Langsdorff conduziu a embarcação até o porto de Montevidéu, no Uruguai, onde permaneceu por três dias. No dia 17, decidiu afundar o barco para os inimigos não terem acesso à tecnologia empregada no navio e se suicidou dias depois, em um hotel de Buenos Aires, na Argentina.
Conforme o jornalista Leandro Staudt apresenta em sua coluna desta quinta-feira (22), “antes de os nazistas a transformarem em símbolo da maldade, a suástica foi sinônimo de paz e boa sorte em culturas orientais. Grandes empresas a usaram na propaganda de seus produtos, inclusive a Coca-Cola. A Anglo-Mexican Petroleum Company Limited, que fazia parte do Grupo Shell, adotava a suástica como marca da gasolina Energina e do óleo lubrificante Swastika”.
Recortes de jornais paulistanos dos anos 1920 e 1930 também mostram anúncios da empresa petrolífera anglo-holandesa Shell com a mesma suástica do latão de Santo Cristo. O professor da PUCRS anexou reproduções de vários jornais do século passado, inclusive de A Federação, com anúncios ou notícias sobre a suástica da empresa Shell Mex Argentina.
Após a notícia sobre a pesquisa com o latão de Santo Cristo se tornar pública, apareceu um segundo latão em uma propriedade localizada na zona rural de Maçambará, município situado na Fronteira Oeste. O objeto está em posse da família do engenheiro agrônomo Mário Carlos da Costa Mello Júnior, 38 anos, desde 1949.
— O meu avô ia na Argentina e contrabandeava farinha e banha para levar até Itaqui. Em uma dessas vezes, trouxe o latão do país vizinho com os produtos dentro — contou o engenheiro agrônomo.
Museu de Santo Ângelo também possui tonel com suástica
O professor Hüttner foi informado sobre a existência de outro latão com suástica, o qual também está pesquisando há alguns dias. O objeto pertence, desde 2006, ao acervo do Museu Municipal Dr. José Olavo Machado, de Santo Ângelo, nas Missões. Era usado pelo antigo proprietário como prensa de banha.
O coordenador de Cultura de Santo Ângelo, Douglas Barbosa Pinto de Moura, conta que o latão foi doado para o acervo pelo historiador Darlan de Mamann Marchi. A peça, datada de 1920, pertenceu ao bisavô do doador.
— Temos uma peça no museu que foi feita a partir do tonel para ser usada como prensa de banha — confirma o coordenador, que também é conselheiro estadual de Cultura.
Conforme relatos, em Santo Ângelo havia uma distribuidora de combustíveis que ficava na antiga Casa Franke, comércio de secos e molhados do século passado e que não existe mais. Em função disso, os tonéis eram muito comuns na região.
— Essa lata do museu está registrada como prensa de banha. Mas ela é da Shell e do mesmo material do latão da peça de Santo Cristo — comenta o docente, dizendo que o objeto possui o mesmo padrão e a suástica budista dos demais tonéis. — A única diferença é que ela (lata de Santo Ângelo) está cortada no meio e sem o fundo — conclui.
Fonte: GZH