As polícias Civil, Federal e Brigada Militar investigam um esquema de contrabando de soja na Fronteira do Rio Grande do Sul com a Argentina. A reportagem da RBS TV flagrou a travessia do produto feita com barcos no Rio Uruguai. Segundo a polícia, os suspeitos usam nota de produtor rural no estado para “esquentar” a mercadoria ilegal.
No lado argentino da fronteira, a soja foi vista sendo colocada nos barcos com uma espécie de escorregador. A travessia é feita pelo Rio Uruguai até chegar no Brasil, na cidade de Tiradentes do Sul, no Noroeste do RS.
Diversos portos clandestinos estão abertos nas margens do rio para garantir o contrabando. Nas estradas de chão batido, pela cidade, é possível perceber a movimentação de tratores e caminhões usados no transporte.
“A mercadoria sai com uma nota fiscal de produtor desse local, um nota falsa, um produtor agrícola, um suposto agricultor empresta essa nota ou vende essa nota ao contrabandista e ela é utilizada para dar uma aparência de legalidade a essa carga que dai é comercializada em cooperativas e empresas que recebem grãos”, diz o auditor-fiscal da Receita Federal Pedro Augusto Bellinaso.
Em 2020, a cidade de Tiradentes do Sul produziu 7 mil toneladas de soja, segundo o IBGE. Mas a emissão de notas fiscais pela prefeitura somou 42 mil toneladas. Ou seja, 35 mil toneladas é a quantidade de soja “esquentada” da Argentina.
O prefeito de Tiradentes do Sul, Alceu Diel, diz que a situação traz aumento na arrecadação municipal por causa do imposto cobrado sobre a soja.
“A gente sabe que aumentou porque as cooperativas e o comércio não compram a soja sem tirar nota do produtor, então o pessoal mesmo trazendo de lá vão ter que esquentar esse soja do lado de cá, nota do produtor e quando vende para as cooperativas com certeza dá retorno pro município”, diz.
Operação e riscos
Na última semana, uma operação da Polícia Federal com o apoio da Brigada Militar apreendeu 60 toneladas de soja contrabandeada em Esperança do Sul. Também foram recolhidos tratores, guinchos e caçambas usados para transportar as cargas.
“A infraestrutura que foi encontrada lá mostra que é uma atividade que está sendo feita de forma reiterada de forma contumaz porque toda a infraestrutura é permanente, por começar com a rampas de acesso, a estrada de acesso do rio e o atracadouro tudo nos indica pelos sinais e obras e benfeitorias que é algo que é feito para se internar soja diariamente ou semanalmente”, diz o delegado da PF, Mario Luis dos Santos.
A entrada ilegal pode trazer riscos de novas pragas nas lavouras e até prejudicar as exportações do grão para outros países, segundo especialistas.
A Secretaria da Agricultura do RS diz que o principal risco da soja que vem da Argentina é a entrada no estado de pragas resistentes e herbicidas.
“Tem evidências que tenha ingressado uma praga ‘amarantus hibridus’ que é uma espécie daninha que está resistente a princípios ativos e herbicidas que tem causado infestação em regiões onde ela tem aparecido. Há evidência que tenha ingressado e pode estar associado ao contrabando de soja”, destaca o diretor do Departamento de Defesa Sanitária Vegeral da secretaria, Ricardo Felicetti.
Uma das pragas foi descoberta na beira da estrada, na BR-290, na região da Fronteira.
O professor da faculdade de Agronomia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Aldo Menegotto Jr. aponta outro risco: a contaminação da soja por agrotóxicos proibidos, o que pode trazer riscos para a saúde.
“Os outros problemas associados a isso são obviamente, riscos para consumidores e também riscos para usuários, porque muitas vezes esses produtos contrabandeados não são o que deveriam ser, ou seja, o produto ativo não é o que deveria ser. No caso esse seria um problema menor porque é de quem está fazendo o ato ilícito, mas para nós como consumidores, para toda a população, temos uma potencialidade que pode ter produtos danosos à saúde que não são aceitos no Brasil”.
Segundo o instituto brasileiro que monitora o contrabando nas fronteiras, parte da soja argentina que entra pelo Rio Uruguai é vendida a outros países como se a produção tivesse origem no Rio Grande do Sul.
“Podem ser fabricados em fábricas que não atendem aos padrões do Brasil ou mundiais de fabricação, e nesse caso, produtos usados no nosso sistema agrícola, que não são os registrados no Brasil, podem trazer riscos à segurança alimentar e comercial. Existem padrões que os nossos compradores aceitam em função daquilo que é a nossa soja atualmente, tendo então produtos, pesticidas que não são aceitos definidos nesses padrões, nós podemos sim estar sujeitos a problemas ou retaliações”, diz o professor.
G1 RS