Tenho predileção especial por crianças. Minhas maiores amizades estão entre os menores seres humanos. Maitê, cinco anos, Artur, dois, Miguel, 3, Gabriele, adolescente, Júlia, 7, Alice, Helena, Heitor. Um plantel de pequenos/grandes amigos. Porque essas amizades? Penso que pelo fato de que eu dedico familiaridade, camaradagem, afeto, respeito, atenção. Se em uma roda de conversa onde estejam presentes adultos e crianças, eu me torno mal educado, optando por dar, no mínimo, a mesma atenção às crianças. Há poucos dias travei uma conversa muito interessante com a Maitê, neta de um casal de grandes amigos de minha família. Ela dominou o assunto. Foi arrastando a cadeirinha cada vez mais para perto de mim. Sinal de confiança, de amizade. Falava sem parar, com medo que eu preferisse dar mais atenção aos adultos presentes. Ela queria mostrar, com orgulho, o que sabia fazer no celular.___Basta puxar para cima esta figura e depois eu coloco o dedo em cima e consigo fazer desaparecer. Tu já tinha visto isso? Olha como eu consigo. E, deslumbrada, dizia:__Sou mágica. Admirei e elogiei a inteligência dela.
Crianças não são humanos sem importância, são humanos ainda não maduros, mas humanos. E devem ser tratados como humanos ainda não plenamente desenvolvidos, ainda não evoluídos. Lembramos, eu e o Cleomar, meu amigo, do nosso tempo de criança. A determinação de nossos pais era de que os pequenos não deveriam ficar ouvindo as conversas dos “grandes”, dos mais velhos. A ordem era de que nos afastássemos para bem longe, até as visitas irem embora. Já o adolescente ao adquirir força para trabalhar passava a receber certa atenção. Era valorizado como um elemento produtivo, na lavoura, no campo. Mas a criança não. Acho que as crianças da minha época, principalmente as do meio rural, não eram tão felizes como as de hoje. Creio que minhas amigas crianças são assim tão afáveis, tão queridas, porque são aspergidas por muito afeto dos pais, dos avós. A estrutura familiar é muito importante. Essa ascendência fez dessas crianças seres educados, alegres, sinceras, desinibidas, cheias de carinho.
Ficar tempo interagindo com uma criança é uma experiência filosófica. O amor delas é desinteressado, autêntico, sincero. Crianças são puras, não mentem, não traem, não fingem, não têm a maldade de muitos adultos. Entre o palavrório idiota, mentiroso e raivoso de algum político, prefiro o áudio do Miguel perguntando para a mãe:____Quando que o tio Clóvis vai vir me visitar? Precisamos tirar tempo para as crianças. Elas precisam de atenção e nos devolvem com muito amor. Os inocentes fazem parte do processo social. E são puros, simples e indefesos. Estão buscando sentido, compreensão para a vida. O abraço de um amiguinho desses não tem preço. Fico imaginando o que vai na cabeçinha, no coração daquele pequeno ser. A voz de um mini amiguinho é um sopro de paz. Essa é a sensação que sinto.
Para muitos a paz vem com um negócio que renda bons lucros. A frase mais importante é “tempo é dinheiro”. Dinheiro permeia o imaginário de muitos adultos egoístas. Qualquer coisa que não der lucro não tem valor nenhum. Para mim a paz eu encontro na beira de um rio, no mato, ouvindo o canto das aves, o ronco de algum bicho, na amizade com meus pequenos amiguinhos. Vejo no azul do céu o que muitos nem olham, no formato de uma nuvem, numa gargalhada, no silêncio, muito mais que num carro novo. Na última semana em que fui na Mixaria, observei que um casal de sabiás estão construindo um ninho, literalmente,
na minha casa. Em cima de um armário, na área de serviço. Muito obrigado, amigos sabiás. Serão preservados.
Certo fim de semana recebo a visita de uma grande amigo, o Dr. Renato Berwian, esposa e as duas filhas. Grata visita. Chegada a hora de irem embora, arrumam malas, colhem frutas, carregam o carro, até que uma das gurias, a Helena, com seus quatro anos, aparece com uma acha de lenha no colo, cuidadosamente enrolada em um chale. ___Larga isso, essa lenha, minha filha. Nós estamos indo para nossa casa, disse o pai. E ela, com cara de espanto, revoltada, responde:___Isso? Tu não está vendo bem. Veja melhor, pai. “Isso” não é uma acha de lenha, é uma criança, minha filha e vai comigo. Depois de muita discussão os pais cederam e foram para Santa Maria com a “criança” da Helena. Coisa linda é o imaginário das crianças. Ás vezes, onde nós, adultos, enxergamos uma pedra, a criança vê um tesouro. A criança tem que sonhar. Se ela não sonhar, não consegue fazer os outros sonharem.
P.S. Falei com o pai da Helena hoje. Ele lembra do fato e disse que até hoje ela guarda a madeira que “adotou como filha”
Clóvis Medeiros